“om mani padme hum”
pés que tencionam arrastar o corpo
ao local onde o espírito interrompeu a paz
da mente
do desejo
Minha
que vejo sem espelho
os olhos suados
Monique Brito
o momento em que a rotina pode esperar.
esperar o mundo parar enquanto observo o vento balançar as folhas das árvores,
folhas de bananeiras que sequer deram à luz,
folhas miúdas que caíram na presença do inverno, e vem com toda força
apoiadas na majestade da primavera.
observo em silêncio a beleza absurda do natural. do que cresce sem pedir ajuda,
do que tem vontade própria e a quem não importa a vontade de quem quer que seja.
Monique Brito
Foi na fazenda de meu pai antigamente
Eu teria dois anos; meu irmão, nove.
Meu irmão pregava no caixote
duas rodas de lata de goiabada.
A gente ia viajar.
As rodas ficavam cambaias debaixo do caixote:
Uma olhava para a outra.
Na hora de caminhar
as rodas se abriam para o lado de fora.
De forma que o carro se arrastava no chão.
Eu ia pousada dentro do caixote
com as perninhas encolhidas.
Imitava estar viajando.
Meu irmão puxava o caixote
por uma corda de embira.
Mas o carro era diz-que puxado por dois bois.
Eu comandava os bois:
– Puxa, Maravilha!
– Avança, Redomão!
Meu irmão falava
que eu tomasse cuidado
porque Redomão era coiceiro.
As cigarras derretiam a tarde com seus cantos.
Meu irmão desejava alcançar logo a cidade –
Porque ele tinha uma namorada lá.
A namorada do meu irmão dava febre no corpo dele.
Isso ele contava.
No caminho, antes, a gente precisava
de atravessar um rio inventado.
Na travessia o carro afundou
e os bois morreram afogados.
Eu não morri porque o rio era inventado.
Sempre a gente só chegava no fim do quintal
E meu irmão nunca via a namorada dele –
Que diz-que dava febre em seu corpo.
Manoel de Barros
Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.
.
Pagu
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel de Barros
no descanso
do imediatismo nosso de cada dia,
o mistério das coisas
visíveis ao adormecer do dia
reluz,
nasce o encantamento.
Monique Brito